Câmara confronta STF, suspende ação contra Ramagem e abre brecha para Bolsonaro

(FOLHAPRESS) - O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (7) um projeto que suspende a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), com brecha para tentar atingir todo o processo relativo à trama golpista de 2022 e beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A medida confronta o STF (Supremo Tribunal Federal), porque vai na contramão do entendimento de que o instrumento deve ficar restrito aos atos cometidos pelo parlamentar após sua diplomação.
Da forma como foi aprovado o relatório do deputado bolsonarista Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), o texto está abrangente e suspenderia a ação por completo, beneficiando outros réus, como Bolsonaro.
O presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, porém, já havia avisado a Câmara sobre restrições de competência dos deputados nesse caso, e quatro ministros da corte afirmaram à Folha de S.Paulo que a medida é inconstitucional.
No plenário da Casa, o projeto teve o apoio de 315 deputados, e 143 foram contra.
O resultado representou uma derrota também ao governo Lula (PT), cujos aliados tentaram evitar a aprovação.
Entre deputados que disseram sim ao texto há integrantes de legendas que compõem a base de sustentação do Palácio do Planalto. De 60 votos possíveis do União Brasil, por exemplo, 50 deram aval ao texto. No MDB, 32 dos 44 foram a favor.
Ministro de Lula até o último dia 8 de abril, Juscelino Filho (União Brasil-MA) votou a favor do bolsonarista.
Há uma expectativa entre parlamentares de que o caso será judicializado e que o Supremo dará seu parecer em um entendimento mais restritivo da medida.
Com isso, porém, teria o desgaste de ter de se posicionar sobre o tema mais uma vez. Há a possibilidade ainda que a própria Primeira Turma do STF delibere sobre isso na ação penal.
Quatro ministros do STF ouvidos sob reserva pela Folha de S.Paulo confirmam que a tentativa de beneficiar outros réus não deve prosperar na corte. Segundo eles, há um entendimento majoritário de que o movimento dos parlamentares é inconstitucional.
Outro ponto levantado por esses ministros, incluindo integrante do colegiado responsável pela tramitação e julgamento do processo sobre a trama golpista do fim do governo Bolsonaro, é que a palavra sobre o tema será de Zanin, presidente da Primeira Turma.
Em ofício enviado a Motta, Zanin afirmou que a Casa só tinha competência para sustar crimes de deputados imputados após a diplomação. Isso limitaria a sustação a dano qualificado ao patrimônio e deterioração do patrimônio tombado.
Outros três crimes -associação criminosa armada, golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito- pelos quais Ramagem é acusado, que teriam sido cometidos antes da diplomação, não seriam abrangidos, no entendimento de Zanin.
Uma avaliação de técnicos da Câmara é de que, apesar do entendimento do STF, ela pôde aprovar o texto da forma como estava porque a Constituição atribui a decisão da suspensão às Casas do Congresso, não à corte. Desta forma, a extensão da prerrogativa caberia aos parlamentares.
Já o entendimento na oposição é de que, tecnicamente, a suspensão só pode dizer respeito ao deputado Ramagem em si. Em outra frente, num argumento político, dizem que seria um desrespeito à corte, que começou o julgamento da ação penal neste ano, com a transformação de acusados em réus.
Deputados também se queixaram da velocidade na discussão da medida, que foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) nesta tarde e encaminhada à noite ao plenário. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não acatou os pedidos para adiar a discussão no plenário.
Como mostrou a coluna Painel, da Folha, antes mesmo da aprovação do relatório na CCJ, a base do governo já se preparava para contestar a aprovação do relatório no STF. Até mesmo deputados aliados de Ramagem dizem acreditar que o entendimento da Câmara será revertido pelos ministros da corte, mas com isso jogam o desgaste para o STF.
Em defesa do seu relatório no plenário, Alfredo Gaspar afirmou da tribuna que "sustar ação penal não é jogar para a impunidade".
"O deputado Delegado Ramagem, assim como nós, só tem mais 1 ano e 6 meses de mandato. A sustação da ação penal é a paralisação do curso do processo até o fim do mandato, daqui a 1 ano e 6 meses. Além disso, o deputado não irá contar com o benefício da prescrição. A prescrição estará intacta", disse Gaspar.
Último orador inscrito no plenário, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), agradeceu o apoio de parlamentares de legendas ocupantes do primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios.
"Para ser justo, todos os partidos de centro -União Brasil, MDB, PSD, Progressistas, Podemos, PRD- estavam na CCJ e agora estão nos acompanhando [no plenário]", afirmou o correligionário de Ramagem.
"Então, eu quero agradecer a todos, porque esta Casa não se faz com alguns, se faz com um coletivo e com a maioria. E V.Exas. hoje demonstram grandeza em lutar por um princípio constitucional que nos foi violado através da figura do deputado Ramagem."
Durante a sessão da CCJ, Ramagem criticou o STF e disse aos parlamentares que o que chamou de perseguição do Judiciário pode atingir também os políticos de esquerda.
"Não é apenas ativismo judicial exacerbado, há clara usurpação das nossas competências legislativas. (...) Estou servindo hoje de joguete casuístico do STF", declarou. "Se fazem comigo, podem fazer isso com vocês algum dia, inclusive colegas de esquerda."
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Painel, caso confirmada, a suspensão de toda a ação penal poderia ser questionada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), abrindo caminho para que o Supremo derrubasse a medida.
Outro caminho poderia ser uma contestação de um partido diretamente a Zanin, que levaria a discussão ao STF.
A CCJ começou a discutir o relatório na última quarta-feira (30), mas a votação foi adiada após um pedido de vistas (mais tempo para analisar o caso). Na ocasião, a presidência da comissão indicou concordar com a possibilidade do travamento de toda a ação.
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